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  Enchente de 1974
   
 
 

Enchente de 1974

Pe. Mariano Callegari

.......Parece que não quer parar de chover. Neste ano novo, aqui em Roca da Estância chove quase todos os dias. Hoje de manhã, ao voltar de Torres, onde eu leciono nas quintas e sextas feiras, fui obrigado a deixar o meu fusquinha no Encruzo do Marçal, pois não era mais possível entrar de condução para Roça da Estância, por causa dos rios que tinham transbordado. Assim, como já fiz centenas de vezes, vim a pé pelos morros.

.......Às dez horas, quando vi que o povo da praça se arrancava, levando crianças, galinhas, leitões, vacas e tudo o que podia, rumo aos morros do fundão da Invernada.... Comecei a ficar preocupado.
.......Sendo Domingo, bati o sino para celebrar uma missa, enquanto o povo ia fugindo, alguns gritando alto, outros chorando, outros correndo apressados. A missa foi celebrada com a presença de quatro pessoas: o padre Mariano, dona Maria Cecília, a esposa do motorista do ônibus com sua filha pequena. Quando acabei de celebrar a missa que durou mais ou menos quinze minutos, a água do rio da praça de Roca da Estância vinha entrando pela porta da Igreja Matriz e tinha invadido todas as propriedades da praça.
.......Eu voltei à casa canônica, com água pelos joelhos. Como tivesse trancado a porta da frente e fechado cuidadosamente as frestas com panos de lã, enterrados a ponta de faca, a água não entrou na casa paróquia! Pela porta da frente, mas ela entrou por baixo pressionando o assoalho, uma água barrenta tentava entrar por todos os buracos, fazendo como que surgir vertentes, bem no interior da "casa do padre". Eu, a esta altura pude penetrar na canônica pela porta dos fundos, onde o Rio da Invernada se encontrava com as águas do rio do Meio e do rio da Panela, formando uma extensa lagoa, ate a casa do Alziro Ferreira Alves. Mas a chuva não parava: desde Sábado não parava de chover. Parecia e, de fato era, um dilúvio d'água.
.......Aqui na praça só ficou o João Ferreira Alves, o Padre Mariano, o Abrelino Pacheco e o Alzemiro Rodrigues da Silva. Todos os outros prevendo a enchente tinham saldo com tudo o que podiam levar. Mas as águas não paravam de aumentar. Milhares de insetos, aranhas, etc... Subiam desesperadas pelas paredes da Igreja Matriz, da casa canônica e de outras casas.
.......Às doze horas, vestindo um calção de banho, com água pelo umbigo, sai da casa paroquial e fui até a casa do comércio de João Ferreira Alves, onde almocei com ele, contemplando as águas, que não paravam de aumentar e ameaçavam derrubar as casa. Elas traziam abóboras, tocos de madeira, árvores, animais mortos, canas de milho, pés de bananeiras, tábuas de casas que tinham sido arrancadas nos fundões, e muitos outros objetos tirados das famílias que vivem no Rio do Meio e Rio da Panela.

.......As águas começaram a baixar somente na segunda feira. Mas somente na terça feira, elas entraram no leito do rio, donde haviam transbordado. Infelizmente, já na segunda feira começaram a chegar as noticias mais trágicas: Vila Brocca tinha sido destruída, perdendo 14 casas de moradia e tendo desaparecido diversas pessoas, o encruzo do Marçal em Vila Pereira Lentz, tinha sido demolido pelas águas...
.......E o fusquinha do padre Mariano tinha sido levado pela correnteza, juntamente com os carros da ETEL e a "Brasília do Deoclides Ventura". O salão paroquial de Vila Brocca tinha sido totalmente destruído. As mesas, cadeiras da igreja de Vila Brocca também tinham sido levadas embora.
.......O salão que serve também de igreja serviu de abrigo para os que puderam entrar nele, embora com um metro e meio de água dentro do seu recinto. O povo subiu no forro, isto é, com os bancos da igreja, organizaram um forro improvisado, onde se refugiaram as mulheres e as crianças.
....... Em Vila Brocca aconteceram casos de verdadeiro heroísmo e de grande covardia: Um senhor velho chamando Serafim Domingos, não quis sair de casa. Os seus dois filhos, maiores de idade, não suportaram de ver o pai no meio das águas. Embora com a certeza de morrer, dês que já estavam a salvo, voltaram para salvar o velho teimoso! Assim morreram juntos: O pai que não quis sair de casa e os dois filhos que tentaram salvar o pai.
....... Em Vila Brocca houve cenas de verdadeiro desespero, "onde crentes abraçavam a imagem de Nossa senhora Aparecida e católicos se tomavam crentes' Um pai de família vedo sua casa destruída pela pavorosa avalanche de água, e observando que a água destruía todas as suas propriedades revelava a mentalidade mítica do Antigo testamento, gritando muito alto e semilouco: "Leva diabo! Que em breve eu vou atrás." Um jovem que gostava de injuriar sua vizinha e prima casada, sentindo -se arrependido, ajoelhou-se e pediu-Ihe perdão em público. Um velho chefe de família, com sua esposa que vivia intrigado com outra família que morava longe deles, foi encontrado morto dentro do terreno daquela família, com quem estavam de mal e foi encontrado pelo seu intrigado de ha muitos anos.
....... Os maiores atos de rapinagem e de covardia manifestaram-se após as enchentes, onde prevaleceu a lei do egoísmo: cada qual procurava apossar-se do que podia e, vinha gente de longe "para ajudar a levar embora coisas!". Uma boa senhora tinha descido o morro para atender uma mãe que esperava família, mas morreu tragada pelas águas. Salvou-se a mãe com o filho.
....... Há também cenas poéticas, como o caso de um pai de família que se salvou com a esposa e a filharada, em cima de uma pequena árvore - tajuva. De quando em vez via passar perto dele: carros, pessoas mortas, casas, enormes arvores que vinham de longe, tudo sendo levado pelas correntezas e voragem das águas. .." Se eu me salvar, com mulher e filhos juntos, prometo rezar aqui uma santa missa "diz ele! E quem vai rezar esta missa será o Padre Mariano. Este homem chamado Nelson Osvaldo dos santos ou Nerço, alcançou a graça.
....... Perto dele também se salvaram 17 pessoas sobre a cumeeira de uma casa: Também eles prometeram missas e cultos. Na Pedra Branca a enchente levou embora o salão da capela de Nossa senhora Aparecida, mais 29 casas de moradia, matando o presidente da igreja, sua esposa e seu filho.
....... As conseqüências dessa enchente são incalculáveis: "Os melhores terrenos de várzeas ficaram estragados, pois em muitos lugares a terra boa deu lugar a extensas pedreiras. A previsão é a falta de comida e um futuro tristonho. Quando eu era estudante acreditava que deus tinha algo a ver com enchentes e secas, influenciado pela educação mítica de meus pais e mestres, principalmente pelas Romarias a Nossa senhora do Caravágio.
....... Mas agora estou começando a compreender que Deus age na natureza também através do homem. Isto & Deus existe e entregou o mundo ao homem, para que os homens dominem a natureza, pela ciência e pela técnica. Muitos sofreram enormes perdas e a própria vida, por falta de conhecimentos, por falta de técnica e por falta de previsões. Por exemplo: se eu, antes de construir igrejas e salões, tivesse feito um levantamento das possibilidades das enchentes dos rios, teria evitado construir nestes lugares, sujeito a cheias dos rios. Deus não é culpado de muitos agricultores terem feito suas casas em lugares perigosos, não. Mas é difícil apostar a idéia de que Deus é um manda chuva! Principalmente no meio do povo, reina a idéia de que Deus é quem pratica essas barbaridades, mandando secas, enchentes, castigando o povo, principalmente o povo bom desta Pedra Branca, Vila Brocca, Rio do Meio, Rio da panda, Rio do Boi, Rua Nova, Praia Grande e outros lugares que apanham a água das serras.

.......Dia 28 de marco de 1974- só neste dia foi possível retirar o meu fusquinha que a enchente havia levado longe uns dois mu metros mais ou menos. Da antiga casa do Avelino Marguti a qual foi totalmente destruída. O fusquinha que era uma jóia de bom permaneceu três dias no meio d'água. Mas comparando com os outros carros, eu ate me conformei. Pois outros carros ficaram totalmente destruídos e imprestáveis.
....... Importante foi também a visita que recebemos na Vila Brocca do governador do estado do rio Grande do sul, Dona Neda diante cia imagem de nossa Senhora Aparecida chorou e choraram diversos acompanhantes impressionados com o desastre que se abateu sobre aquela gente.

   
 

Fonte: Cloreci Ramos Matos
Mampituba e Você
juntos nesta história.
2002

   
 
   
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